PIRAPORA IN CENA

A ELEIÇÃO DE 1936
Os Antecedentes
Em 1932, as forças constitucionalistas de São Paulo - e aí incluídas as bravas lideranças de Pirapora - foram derrotadas militarmente pelas forças governamentais. Mas Getúlio Vargas teve que ceder e tratou de convocar eleições para a assembléia nacional constituinte, o que se deu em 1933. Na esteira da constituição federal de 1934, vieram as constituições estaduais e, pela lei estadual nº 55, de 29 de dezembro de 1935, ficou estabelecido que seriam realizadas eleições municipais no dia 7 de junho de 1936. Pirapora elegeria dez vereadores, cabendo a estes escolher o prefeito municipal. A nova legislação eleitoral trouxe novidades: a idade mínima para votar baixara para 18 anos, as mulheres poderiam votar, o voto seria secreto e, além de um direito, seria um dever. Em Pirapora, houve uma novidade a mais: a professora Heloísa Passos candidatou-se a uma vaga na câmara de vereadores.
No Arraial da Situação
Os nascimentistas detinham a máquina do poder municipal, sob o comando do prefeito Álvaro Nascimento. Acreditavam nos votos de Rodolfo Malard, detentor do maior índice de popularidade da cidade. Conseguiram arrancar das mãos da oposição o Partido Progressista (PP), agremiação que contava com a inteira simpatia do governador Benedito Valadares, fato que evidenciava uma contundente vitória sobre seus adversários. Além do dr. Malard, foram inicialmente lançados como candidatos à câmara municipal: Geraldo da Cunha Sanguinette, José da Silva Maia, José Soares Dias, José Wanderley Figueiredo (Didi), Oswaldo Machado, Oswaldo Nascimento, Raimundo Boaventura Leite, Salvador Roberto e Sancho Ribas. Posteriormente, Didi Figueiredo foi substituído por Martinho José de Souza. Ao lado desses homens, o grupo situacionista contava com o apoio e a simpatia de Alípio Maciel de Oliveira, Arthur Nascimento, Bento de Melo, Bento Rocha Barros (Bentoca), Bernardino José Barbosa, Clóvis Soares Diniz, Franklin Quinta e Silva, Herculano Cintra Mourão, João Alves de Medeiros, João Xavier da Costa (Santinho), José Maciel de Oliveira, Júlio Batista de Souza, Otávio Bento da Cunha e Raymundo Soares de Santana. Raimundo Nascimento havia falecido em 1934.
A Oposição
Os oposicionistas estavam agora capitaneados por Júlio Mourão Guimarães e contavam com a populari-dade de Arnaldo Gonzaga. Em 5 de abril de 1936, ou
seja, dois meses antes da eleição, fundaram às pressas o Partido Municipal de Pirapora (PMP). Tanto quanto os situacionistas do Partido Progressista (PP) juravam fidelidade ao governador Benedito Valadares. Lançaram candidatos à câmara municipal, além de Arnaldo Gonzaga: Antônio Pedro da Silva, Geraldo
Barbosa de Oliveira, Heloísa Passos, Humberto Malard, José de Campos Valadares, Júlio Mourão Guimarães, Octaviano da Costa Alkmim, Odilon Bandeira da Mota e Petrônio Alves Ferreira Diniz. Esse grupo era coadjuvado por algumas figuras do antigo ramismo e por outras que a elas vieram agregar--se: Alcides de Salles Barbosa, Alfredo Lima, Antônio Barbosa de Oliveira, Antônio Moreira, Aristides Stockler de Azevedo, Décio Alves Ferreira Diniz, Euclydes Gonçalves de Mendonça (Dr. Duque), Evaristo Barbosa de Oliveira Filho, Floriano Soares Diniz, Francisco Bandeira da Mota, Gabriel Miguel Saliba, Jefferson Gitirana, João Cândido de Oliveira, João Carneiro de Mendonça, Jonas Carneiro de Abreu, José Álvares da Silva, José Fernandes Braga, Marcionílio Ribeiro da Cruz, Nestor Malard, Prudente Melo, Renan Sarmento, Sebastião Pereira dos Santos, Severo José da Cruz, Targino Lima e Vicente Gomes Jardim. A oposição tentou afastar Álvaro Nascimento da prefeitura, apresentando para substituí-lo os nomes de José Campos Valadares e de Júlio Mourão Guimarães, manobra solenemente ignorada pelo palácio da Liberdade. Foi mais uma vitória dos nascimentistas.
A Campanha
A movimentação política começou cedo. Em termo locais, tudo levava a crer no equilíbrio de forças. Nenhuma garantia havia para qualquer dos dois lados. Aliás,
essa garantia nunca existe. Em política, só existe certeza quando contados os votos, assumido o posto e cumprido o mandato. Na área externa, Álvaro Nascimento havia mostrado prestígio. Conseguiu ser nomeado prefeito, mostrou-se inabalável diante das manobras palacianas contra ele arquitetadas e assumiu a sigla do PP, partido estruturado em âmbito estadual e que era a “menina dos olhos” do governador. Benedito Valadares. Já a oposição, além de ter que se contentar com uma sigla acanhada, de dimensões municipais, tinha em seu núcleo pessoas mais que comprometidas com a Revolução de 1932, ou seja, pessoas que ficaram contra o esquema que levara Benedito Valadares ao poder; Já os nascimentistas, em sua maioria, haviam passado ao largo do episódio de 1932.
Abrem-se as Urnas
Apurados os votos, o PMP de Júlio Guimarães e Arnaldo Gonzaga teve que suportar a primeira e triste decepção: o PP havia obtido maioria de votos, o que significava uma vitória da dupla Álvaro Nascimento-Rodolfo Malard também no front interno. Porém, feitas as contas, coube ao PP suportar o ônus de outra também triste constatação: a diferença de votos havia sido insignificante, insuficiente para formar maio-ria na câmara. Foram 1.178 votos dados ao PP e 1.126
ao PMP, o que elegia cinco vereadores para cada lado. Houve, na prática, um empate técnico que iria embaraçar a eleição do novo prefeito.
Os Eleitos de 1936
Foram eleitos vereadores: Antônio Pedro da Silva, Arnaldo Gonzaga, Geraldo Barbosa de Oliveira, José da Silva Maia, Júlio Mourão Guimarães, Martinho José de
Souza, Octaviano da Costa Alkmim, Oswaldo Nasci-mento, Rodolfo Malard e Sancho Ribas. Para os cargos de juiz de paz e suplentes foram eleitos os do PMP: Antônio Barbosa de Oliveira, José Fernandes Braga, Décio Alves Ferreira Diniz e Targino Lima.
Recomeça a Luta
Travou-se a seguir, por quase um ano, uma verdadeira batalha política. A legislação eleitoral era omissa e não previa claramente soluções para o caso de empate. Houve então, por parte dos partidos, um empenho tão grande quanto ao da fase de caça aos votos antes do pleito. Atitudes pouco ortodoxas, de ambos os lados, faziam com que os nervos ficassem à flor da pele. O PP argumentava que havia obtido mais votos nas urnas. O PMP argumentava que quem escolhia o prefeito era a câmara municipal.
Primeira Manobra
Em um primeiro momento, em setembro de 1936, ocorreu a transigência de um dos vereadores eleitos, que se transferiu do PP para o PMP, dando a este a vitória dentro da câmara. Mas não resolveu de imediato a pendência, pois o prefeito Álvaro Nascimento, indignado, não se julgava no dever de passar a prefeitura a um grupo que seu partido derrotara nas urnas. Em visita à cidade, no dia 4 de dezembro de 1936, o governador Benedito Valadares ficou em cima do muro e aconselhou que se procurasse “uma solução local”.
Segunda Manobra
O mandato de Álvaro Nascimento terminou em 31 de dezembro de 1936. Para o município não ficar acéfalo, o governo estadual nomeou Carlos Mata Machado
para a prefeitura, até que se encontrasse uma solução definitiva. Em um segundo momento, O PP defendeu o critério de se escolher o vereador mais velho. Isto significaria entregar a presidência da câmara ao seu correligionário Sancho Ribas. Este, na presidência da Casa, iria direcionar a escolha de Oswaldo Nascimento (PP) para a prefeitura.
Terceira Manobra – Onde entra Heloísa Passos
Surpreendentemente, o PMP concordou com o critério de se entregar a presidência da Casa ao mais velho. Porém, aberta a sessão em 7 de janeiro de 1937, alguns vereadores do PMP requereram licença de seus cargos. Tal gesto provocou a convocação da vereadora suplente Heloísa Passos, do PMP, que se apresentou provando ser mais velha que Sancho Ribas. Heloísa Passos chegou a reunir seis vereadores que escolheram José Fernandes Braga (PMP) para o comando do município. (Pela legislação, não havia necessidade de que o prefeito fosse um dos vereadores). Esse assunto foi manchete em grandes jornais de
Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Até bem pouco tempo, mulher não possuía nem mesmo o direito a voto e Pirapora estava em vias de ter sua câmara municipal presidida por uma mulher. Uma mulher que, na votação popular, fora eleita apenas suplente. Uma mulher que entrara na câmara, com a certidão de idade em punho, fazendo questão de provar que era mais velha. Uma mulher que, uma vez na presidência da câmara, iria entregar a prefeitura ao seu partido que, pelos votos populares, havia perdido a eleição. É de se registrar que Heloisa Passos não agiu fora da lei. O estranho era o fato de tal manobra ter em seu centro uma mulher. Pirapora vivia os anos de 1936, 1937. Heloísa Passos manteve--se de cabeça erguida, mesmo depois de haver recebido uma repreensão da secretaria de Educação, por escrito.
O Desfecho
A Justiça não concordou com manobra alguma e mandou que os vereadores fizessem nova eleição indireta. Feita nova votação, Arnaldo Gonzaga foi eleito por
seis votos a quatro. A escolha se deu no dia 3 de maio de 1937. (Esta data deu a Afonso Diógenes a ideia de denominar a nova banda de música, já fundada e até então sem nome. Daí a denominação de Filarmônica Três de Maio). A vitória de Arnaldo significou o retorno dos antigos ramistas ao comando da administração municipal. A secretaria da prefeitura foi entregue a Frederico Ozanam Ramos, filho do Coronel Ramos. E a Praça da Matriz, com direito a cerimônia pública, voltou a ter o seu antigo nome: Coronel Ramos. Pirapora viveu um momento inexplicável. O PP de Álvaro Nascimento-Rodolfo Malard detinha antes o comando da prefeitura, teve maioria dos votos populares e, mesmo assim, viu o comando do município passar às mãos da oposição que fora derrotada nas urnas. Alberto Deodato, advogado do PP em Belo Horizonte, afirmou ser mais fácil entender o mistério da Santíssima Trindade do que compreender as manobras políticas de Pirapora.
Arnaldo Gonzaga
Arnaldo Sóter Gonzaga nasceu em Paracatu no dia 3 de março de 1900, tendo chegado a Pirapora em 1923. Era casado com Heroína Diniz Gonzaga Por quase seis décadas, tomou parte em todos os acontecimentos políticos, administrativos e sociais da cidade. Foi o mais atuante líder local da Revolução
Constitucionalista de 1932. Exerceu o cargo de prefeito municipal de 1937 a 1940. Dirigiu a Navegação Mineira do São Francisco e o Serviço de Navegação da Comissão do Vale do São Francisco. Participou da reestruturação do Partido Republicano Mineiro (1931) e foi um dos fundadores e dirigentes do Partido Municipal de Pirapora (1936) e do Partido Social Democrático (1945). Exerceu inúmeras atividades no seio da comunidade: vereador, presidente da câmara, comerciante, presidente da Associação Comercial e do aeroclube, comandante de vapor, agropecuarista, sendo ainda um dos fundado-res do Rotary Club.
Foi uma das mais expressivas lideranças de toda a História do município. Faleceu em 17 de novembro de 1982.
Mais Prefeitos Nomeados
Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas deu um golpe de estado e implantou a ditadura chamada de Estado Novo. Dissolveu o poder legislativo (senado,
câmara federal, assembleias legislativas e câmaras de vereadores), fechou os partidos políticos e os sindicatos e determinou que os prefeitos municipais fossem nomeados pelos governadores dos estados. Assim, em 12 de novembro de 1937, Arnaldo Gonzaga foi confirmado no cargo de prefeito. Ainda pela assinatura de Benedito Valadares, tivemos os seguintes prefeitos: Cícero Passos (1941-1944), Raimundo Boa-ventura Leite (1944) e Humberto Malard (1945).
Cícero Passos
Natural de Diamantina, Cícero Passos nasceu em 1883 e chegou a Pirapora em 1912. A exemplo de seus familiares, tomou parte ativa na política, integrando a
facção do Coronel Ramos e, após o falecimento deste, a corrente liderada por Júlio Guimarães. Exercia a função de tabelião do 2º ofício, quando foi convidado a assumir a prefeitura. Teve como pontos altos de sua administração a fundação do Ginásio São João Batista e a construção do nosso primeiro mercado
municipal. Faleceu em 1944.
Uma Pescaria
Um fato político de relevância ocorreu em 1938, quando, por iniciativa de José Maria de Alkmim, se reuniram, simulando uma pescaria, na fazenda Porto
Cavalo, então pertencente ao município de Pirapora (distrito de Buritizeiro, à margem do rio Paracatu), inúmeros próceres políticos de realce na região. Na oportunidade todos se manifestaram contrários ao golpe de 10 de novembro de 1937, esboçando-se já um princípio de reação contra a ditadura de Getúlio Vargas. Era, talvez, a primeira manifestação contrária ao regime que se implantara no País, pois tal fato deu-se muito antes de vir à luz o famoso Manifesto dos Mineiros. Assim, o município de Pirapora foi palco das idéias já àquela época expressas, embora veladamente, por políticos influentes. Participaram da concentração, entre outros: José Ma-ria de Alkmim, Otávio Monteiro Machado, Júlio Soares, Paulo de Souza Lima, Edmundo Paula Pinto, Arnaldo Gonzaga, José Álvares da Silva e Nestor Malard.
Após a Redemocratização
Com a queda da ditadura em 1945, tivemos ainda dois prefeitos nomeados, enquanto se aguardava a eleição municipal de 1947: Frederico Ozanam Ramos
(1946) e José Carlos Moore (1947). As funções de juiz de paz foram exercidas pelos elei-tos de 1936. Ao final de seus mandatos, o governo do estado nomeou, em 1939, dois outros cidadãos para o exercício do cargo: Joaquim Fernandes Ramos Júnior e Francisco Assis Rocha, que atuaram até as eleições municipais de 1947.