PIRAPORA IN CENA

O Conflito:
Salmeron e Soeiros x Índios Cariris
Os Cariris
Os Cariris, também denominados Kiriris, pertencentes ao tronco Macro-Jê, possuíam segmentos em todo o nordeste do Brasil. Habitavam o território de Santana do Cariri, no Ceará, grande parte da serra da Borborema, na Paraíba, a foz do rio São Francisco (Alagoas e Sergipe), e uma boa extensão do norte da Bahia.
Eram extremamente belicosos e viviam em constan-tes guerras com os Carius, Calabaças e Inhamuns. Sobre eles, ainda citando Capistrano de Abreu, registrou Do-nald Pierson:
“Os portugueses em Pernambuco consideravam como sérios adversários os Cariris, anteriormente ocupantes do litoral, mas que estavam acuados entre o São Francisco e o Ibiapara ao tempo em que começou a colonização européia... A sua resistência foi terrível...talvez a mais persistente que os povoadores encontraram em todo o país.”
Também Diogo de Vasconcelos, em sua “História Antiga das Minas Gerais” , assim se expressa:
“No fim do século XVII, Matias Cardoso de Almeida, o homem forte de Fernão Dias Pais, já por ali andara para reduzir os indóceis Cariris.
O Êxodo
Parte da tribo dos Cariris, em época remota, terá subido o rio São Francisco, movida pelo temor à aproximação dos brancos pelo litoral brasileiro e acossada pelas tribos vizinhas. Estes dois fatores fizeram com que parte da valente tribo emigrasse para regiões menos inóspitas, de caça e pesca abundantes, longe dos inimigos naturais e próximas de um rio piscoso por excelência, e de matas virgens, repletas de variadíssima caça, plenamente sufi-ciente para a sobrevivência da tribo. Além de sua fama de guerreiros, os Cariris trouxeram consigo seus costumes, seus utensílios, suas armas e objetos de arte, que corroboraram os informes deixados pela tradição.
Aportando na área hoje compreendida pelo município de Pirapora, fixaram-se defronte à corredeira, estabelecendo sua aldeia justamente no local onde atual-mente situa-se a praça dos Cariris. Também residiam na área correspondente às fazendas Jatobá, Pernambuco e Capão de Olhos D’água, fazendo, entretanto, da aldeia próxima à corredeira o centro principal de todos os seus rituais e danças, segundo relata ainda a tradição.
Os Vestígios
Deixaram-nos os Cariris preciosos vestígios de sua presença, que foram sendo encontrados, amiúde, ao longo do tempo, em pequenas profundidades ou mesmo à superfície do solo. São provas da localização dos gentios em nosso território, atestando ainda seu grau de cultura e de arte na confecção de seus utensílios e adornos. Tais achados se constituem de panelas, potes, cachimbos de barro, machados de pedra, socadeiras em formas cônicas. A maioria foi encontrada às margens do rio São Francisco, em terrenos situados na parte central da cidade e na própria corredeira, e muitos deles foram levados de nosso município, extraviados ou perdidos, por curiosos em etnologia.
Destes silvícolas, além das peças, não restaram maiores vestígios, pois teriam debandado em massa para outras regiões.
O Idioma
Presume-se que os índios que aqui habitavam não fa-lassem um dos idiomas da família Cariri (Camurá, Dzubucuá, Quipeá ou Sapúia). O correto seria afirmar que a língua falada pelos nossos índios fosse realmente o Tupi, impregnado de modificações normais, provenientes do meio e dos contatos com tribos diversas e com os brancos. É que, nos séculos XVI e XVII, a língua Tupi foi a mais difundida pelos bandeirantes e missionários no interior do Brasil, particularidade que, aliás, explica a existência de topônimos de origem Tupi em regiões onde os Tupis nunca estiveram.
O Nome de Pirapora
Segundo o professor Christóvão Joaquim Fernandes Ramos, o nome Pirapora tem sua origem em Pirá-Poré, com o sentido de lugar onde o peixe salta.
É também defensável a opinião de que o termo teria vindo direto da expressão Pirá-Pora, significando então morada do peixe.
Poderia ainda derivar-se de Pirá-Por, significando pulo do peixe. O fato é que a pesca abundante e a imponência da corredeira foram a causa primeira da fixação dos cariris no local que viria a ser o coração da cidade de Pirapora
A Lenda de Salmeron e Soeiros
Corria o ano de 1678 e o território que viria a ser o atual município de Pirapora era habitado e dominado pela guerreira tribo dos Cariris quando, pela primeira vez, a areia reluzente de suas praias, as cristalinas águas de sua majestosa corredeira e a verdejante mata que margeava o rio foram avistadas pelo chamado homem civilizado. Os bandeirantes Salmeron e Rodrigo Soeiros, segundo a tradição, foram os pioneiros de tal façanha. Salmeron, brasileiro, filho de espanhóis, residia no Maranhão, onde sua família dispunha de terras e de regular fortu-na. Mais tarde, ocorrendo o falecimento de seus genitores e desgostoso por tal fato, organizou com agregados e amigos de seu pai a bandeira que o tinha como chefe, sendo seu lugar-tenente o espanhol Soeiros.
Atraído pela miragem do ouro e da prata das Minas, Salmeron veio ter a Sabarabuçu - denominação indí-gena da região da serra da Piedade, próxima à nascente do rio das Velhas. Aí, armando-se de duas embarcações fluviais, toscas, mas sólidas, desceu o rio das Velhas - ao qual os indígenas davam o nome de Guaicuí - até a sua foz no São Francisco, na Barra do Guaicuí. Jogando a sorte, optou pela subida do São Francisco, ao invés de
tomar a direção norte. Assim, veio a ter com seus com-panheiros à corredeira do Pirá-Poré.
O Combate com os Cariris
Uma vez aí, não chegaram sequer a desembarcar, tal o furor do ataque que sofreram da belicosa tribo dos Cariris, dominadora da região. Postados defronte à corredeira, os índios defenderam com ardor seus domínios, expulsando os bandeirantes. Da imprevista luta salvaram-se raros componentes da bandeira, dentre os quais Salmeron e seu lugar-tenente Soeiros, este último com ferimentos graves, em consequência dos quais veio a falecer em Guaicuí, onde foi sepultado.
O Último dos Cariris
Com a penetração de novas bandeiras e de aventureiros à cata de ouro e cativos indígenas, os Cariris abandonaram seus domínios, cedendo aos brancos a exploração do território. Entretanto, segundo a tradição, uma componente da tribo teria aqui sobrevivido, chegando a constituir um novo núcleo familiar nas redondezas. Um descendente seu, Ezequiel Índio da Missão Jacob Tupinambá - que residiu em Pirapora, onde veio a falecer, já centenário, por volta de 1950 - terá sido o último remanescente dos Cariris em nosso município.
A Dispersão da Bandeira
Abatido pelo revés sofrido, Salmeron, com os recursos de que pôde dispor, reuniu o restante de sua bandeira e regressou a Sabarabuçu. Uma vez aí, dispersou a bandeira, reconduzindo ao Maranhão os companheiros sobreviventes que o quiseram acompanhar. No Maranhão, ainda segundo a tradição oral, depois de desfazer--se dos cabedais restantes da herança deixada por seus pais, seguiu para a Espanha, recebendo ordens sacerdotais em Salamanca, em cumprimento à promessa que fizera, para o caso de escapar ileso. Da bandeira Salmeron-Soeiros não resultou povo-amento, uma vez que a ferocidade dos indígenas não permitiu a penetração no território. Todavia, de acordo com os relatos, constituiu-se a mesma de um marco de real valia para o conhecimento da região, difundindo, na medida de suas possibilidades, as riquezas e as belezas naturais do lugar, ainda inexplorado.