PIRAPORA IN CENA

CINQUENTA ANOS EM QUINZE
Uma Época Áurea
O período de quinze anos compreendido entre 1910 e 1925 constituiu uma época áurea para o desenvolvimento de Pirapora. Efetivamente, diversos fatores contribuíram para esse fim: a necessidade de maior expansão do comércio e consequente obtenção de melhores meios de transporte e comunicação, a criação de novos serviços de utilidade pública, a instalação do município. Além de tudo, havia a decisiva e progressista atuação do chefe político local, o Coronel Ramos, aliada à notável participação dos irmãos Nascimento, que também se fazia sentir em todos os setores de atividades.
A Primeira Farmácia
Em 1908, abriu-se a primeira farmácia do distrito, pertencente ao farmacêutico Celso Gonzaga Pereira da Fonseca. Viria a ter depois, como sócio, Joaquim Fernandes Ramos Júnior (Quincas). Antes da abertura dessa farmácia, os doentes, nos casos mais simples, eram atendidos por Predelina Sales Barbosa (dona Piduca). Para isso, ela usava sal amargo, chás, mingaus, sangrias, compressas de água quente. Nos casos mais sérios, alguém deveria ir a Curvelo, descrevia a doença para o médico ou boticário, aguardava a manipulação e voltava trazendo o medicamento, na esperança de ainda encontrar o doente com vida. A
viagem de ida, a espera e a viagem de volta, a cavalo, durava algo em torno de dez dias. Também o Coronel Ramos fazia às vezes a função de médico e farmacêutico.
A Estrada de Ferro
Desde a época do Império, constava dos planos governamentais a ligação ferroviária do Rio de Janeiro a Belém do Pará. As lideranças locais embarcaram no entusiasmo do diretor Paulo de Frontin e conseguiram fazer chegar até aqui os trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil. Assim, em 28 de maio de 1910, inaugurou-se a estação ferroviária, relevante conquista da comunidade, que passou a contar com excelente e eficaz meio de transporte. De imediato, foi construído o ramal ligando a estação ao porto. Em 1922, os trilhos atravessaram a ponte. Em 1982, chegaram ao distrito industrial. De início e por muitos anos, os trens de ferro que serviam à região eram movidos a vapor (lenha) e só em 1957 Pirapora viu a primeira máquina a óleo. Em 1958, quase todas as ferrovias nacionais foram encampadas pela Rede Ferroviária Federal, começando então a desativação dos ramais deficitários, tendência que se acentuou após 1964. Mas por muitos e muitos anos, foi a estrada de ferro quase que o nosso único meio de transporte e comunicação com os grandes centros urbanos do centro-sul
do país. Transportando cargas e passageiros, foi ela realmente um dos mais importantes e decisivos fatores de progresso da comunidade. A estrada era um respeitado meio de referência: toda casa comercial fazia questão de acrescentar em seus anúncios e timbres, após o endereço, a expressão “EFCB”. Também por via de sua folha de salários, a Central do Brasil se apresentava como o grande injetor de recursos para a economia local. O trem-pagador realmente
sensibilizava os níveis financeiros de comércio. É inimaginável o que aconteceu por aqui quando da construção da ponte. Porém, teve grande importância, paralelamente a tais benefícios de ordem material, o fato de a Central do Brasil haver trazido para Pirapora muitas pessoas de bem, que se entrosaram na vida da cidade e aqui lançaram raízes. Foram aqueles “homens de ouro, numa estrada de ferro”, no dizer de Fábio Franco Rosa em série publicada no jornal “A Semana”. Sob qualquer aspecto, a Central foi uma bênção para a comunidade, motivo pelo qual, no passado, administradores da cidade deram a uma de nossas ruas o nome de “Central”, homenagem cancelada certamente por alguém que desconhecia o bem que a instituição fez à comunidade. Melancolicamente, Pirapora viu partir, em 1978, o seu último trem de passageiros. Que nunca mais voltou. Na década de 1990, também o sistema de cargas já
estava totalmente desativado. Só veio a ser reativado em 2008, pela Ferrovia Centro Atlântica (FCA), quando da implantação do terminal intermodal de cargas da Vale do Rio Doce.
Paulo de Frontin
André Gustavo Paulo de Frontin nasceu no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 1860. Diplomou-se em engenharia aos 18 anos de idade e, aos 20, já era professor, por concurso, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II. Foi presidente do Clube de Engenheiros, prefeito do então Distrito Federal, senador por duas vezes, deputado federal e diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, também por duas vezes. Foi ele quem projetou a estrada que ligaria o Rio de Janeiro a Belém do Pará. Sob sua direção, a Central do Brasil fez os trilhos chegarem até Pirapora. Adepto do progresso, tornou-se amigo das lideranças locais. Veio a Pirapora quando da inauguração da estação em 1910. Veio também no dia 1º de junho de 1912, tendo presidi-do simbolicamente, a convite do Coronel Ramos, uma sessão aberta da câmara municipal, quando da instalação do município. Tornou-se, assim, um cidadão honorário da cidade.
Pelos benefícios prestados não só à comunidade, mas a toda a região, teve seu nome dado a uma das nossas principais praças, homenagem inexplicavelmente cancelada em administrações posteriores. Faleceu no dia 15 de fevereiro de 1933. Em 1972, foi aclamado patrono da engenharia brasileira.
O Abastecimento de Água
Em 1913, começou a funcionar nossa primeira rede de abastecimento de água. O contrato para instalação do serviço havia sido firmado em 31 de outubro de 1911, pelo agente executivo municipal de Curvelo, cônego Francisco Xavier de Almeida Rolim, com o cidadão José Sans, conforme autorização da câmara municipal daquela cidade em sessão de 17 de junho de 1911. Na ocasião, o nosso município ainda não havia sido instalado. O serviço de água foi a seguir entregue à Companhia Indústria e Viação de Pirapora (CIVP), por contrato firmado em 29 de agosto de 1918 entre a municipalidade e os empresários Otávio Barbosa Carneiro e Astério Lobo. Para isso, houve a prévia autorização dada pela nossa câmara municipal, conforme lei nº 58, de 16 de agosto do mesmo ano. A concessão previa a distribuição diária de 240.000 litros de água em domicílio. Era por vinte e cinco anos e poderia a exploração do serviço vir a ser feita pelos dois cidadãos ou por empresa por eles formada. Em 1953, o serviço voltou à prefeitura municipal. Em 1955, na forma de convênio firmado entre a prefeitura e
o Serviço de Saúde Pública (SESP), foi criado o Serviço Autônomo de Água e Esgotos (SAAE) que administra até hoje a distribuição e o tratamento de água da cidade. A área do distrito industrial inicialmente entregue à COPASA-Companhia de Saneamento de Minas Gerais retornou ao SAAE em 1999.
O Serviço Telefônico Urbano
Também em 1913, foi instalada a primeira rede de telefones urbanos da cidade. O contrato para instalação e manutenção foi firmado pelo executivo municipal com o empresário Clemente Alves de Souza, em 7 de novembro de 1912, conforme autorização dada pela câmara em sessão de 28 de setembro. O contrato foi registrado em cartório no mesmo ano, no dia 8 de novembro, e determinava o início da implantação do serviço em noventa dias, com término em oito meses.
Em 1918, a Companhia Indústria e Viação de Pirapora (CIVP) assumiu também a concessão de exploração da rede telefônica, com a possibilidade de estendê-la ao distrito de São Francisco de Pirapora (atual Buritizeiro). O contrato foi firmado em 27 de agosto de 1918 entre o município e o industrial Trajano Sabóia Viriato de Medeiros, conforme lei municipal nº 57, de 26 de agosto do mesmo ano. Concessão autorizada também por vinte e cinco anos, com direito a exploração por parte do empresário ou por empresa de que participasse. Nos capítulos 30, 39 e 44 há outras referências ao serviço de telefones.
A Usina de Luz e Força
Em 1914, começou a funcionar a primeira usina de lenha para fornecimento de energia elétrica à popula-ção. Ficava na esquina da rua Bahia com a atualmente
denominada rua Major Santiago, onde está instalado o posto de gasolina São Francisco. A usina foi construída pelo industrial Nicolino Guimarães Moreira, que antes já instalara a usina de Curvelo. Oficialmente, só foi inaugurada em 5 de dezembro de 1915. Da mesma forma com o que ocorreu com os serviços de água e de telefones, também a distribuição de energia elétrica passou depois para a Companhia Indústria e Viação de Pirapora (CIVP), pelo mesmo contrato e nas mesmas condições gerais observadas na exploração da linha telefônica. No caso, o instrumento do contrato previa a instalação inicial de cem quilowatts, com possibilidade de ampliação até quinhentos. Em 1953, o serviço voltou à prefeitura e, em 1957, foi assumido pelo ministério da Agricultura (Divisão de Águas e Energia Elétrica). No capítulo 29 deste livro são feitos registros sobre a extensão da rede de transmissão de energia de Três Marias a Pirapora.
O Termo de Pirapora
Foi no dia 1º de janeiro de 1918 que o município de Pirapora passou a constituir um Termo, ou seja, uma divisão jurídico-administrativa da Comarca de Curvelo. Dr. Euclydes Gonçalves de Mendonça (Duque) foi o nosso primeiro juiz municipal. No ano anterior já haviam sido instalados os cartórios de 1º e 2º Ofícios e o de Distribuidor, Partidor e Contador.
A CIVP
A Companhia Indústria e Viação de Pirapora, vin-culada ao grupo empresarial Trajano de Medeiros, do Rio de Janeiro, foi idealizada por volta de 1917, tendo
um capital inicial de 1.200:000$000 (um mil e duzentos contos de réis), dividido em seis mil ações de 200$000 (duzentos mil réis). Sua primeira diretoria foi formada pelo seu fundador, Otávio Carneiro (presidente), Astério Lobo (diretor técnico) e José Joaquim Fernandes Ramos (diretor comercial). Assumiu a concessão dos múltiplos serviços de distribuição de luz e força, distribuição de água em domicílio e de manutenção da rede telefônica. O contrato previa a futura criação de linha de bondes. Investiu na navegação fluvial, dando nova vida ao vale do São Francisco. Investiu também na industrialização de Pirapora, onde introduziu o beneficiamento de arroz e de algodão, o fabrico de sabão e de óleos de algodão e de mamona. Atuou no comércio atacadista, manteve três fazendas em Buritizeiro e montou oficinas próprias que davam suporte às demais atividades. Suas instalações industriais, o escritório e a parte residencial ficavam na avenida Otávio Carneiro, à direita de quem sobe, ocupando três quarteirões então existentes entre as ruas Piauí e Januária. A parte de navegação
tinha suas dependências em frente ao porto. Ao longo do tempo veio a ser dirigida pelos cidadãos Virgílio Alvim de Melo Franco, Otacílio Negrão de Lima, Quintino Vargas, Delsuc Moscoso e José Gonçalves de Sá. Por muitos anos teve Francisco Bandeira da Mota como gerente. A CIVP foi um marco na história do progresso da região.
Otávio Carneiro
Otávio Barbosa Carneiro nasceu em Juiz de Fora, em 17 de maio de 1875, e radicou-se no Rio de Janeiro. Engenheiro civil, era um empreendedor, um homem de
iniciativa, de vanguarda. Procurando sensibilizar governantes e empresários, no sentido de canalizar recursos para a região do São Francisco, fazia palestras, escrevia artigos em jornais e promovia excursões pelo vale do rio. A convite do Coronel Ramos, fundou aqui a Companhia Indústria e Viação de Pirapora e traçou a planta do bairro Santo Antônio. Faleceu em 17 de maio de 1932, de impaludismo, doença que contraiu durante os trabalhos de recuperação do vapor Santa Clara, que naufragara perto de Xique--Xique, quando pereceram nove pessoas.
A Ponte Marechal Hermes
Nas primeiras viagens dos trens da Central do Brasil, em 1910, os vagões de carga já trouxeram algum material para a construção de uma ponte sobre o rio São
Francisco. Esse material ficou estocado na praça hoje denominada Tancredo Neves, onde havia uma estação, chamada Estação Nova. A construção da ponte estava vinculada ao antigo projeto de se ligar por ferrovia o Rio de Janeiro a Belém do Pará. Entretanto, o tempo passou, as idéias mudaram e essa ligação já não mais constava dos planos do governo. Isto tornou a ponte perfeitamente dispensável. Se construída, serviria tão somente para ligar o distrito--sede de Pirapora ao distrito de São Francisco de Pirapora (Buritizeiro). Cogitou-se então de se levar o material estocado para ser empregado no ramal que saíra de
Corinto rumo a Montes Claros e que tivera prossegui-mento. Contra tal pretensão da área técnica da Central do Brasil, ergueu-se o Coronel Ramos. Politicamente, conseguiu que o governo federal abandonasse seus cri-térios técnicos e aprovasse a verba orçamentária para a construção, o que se deu em 1918. Em 1920, a ponte começou a ser construída em frente ao porto. Porém, por motivos técnicos, optou-se por localizá-la acima da corredeira, mudança que acarretou o acréscimo de duas seções metálicas além das previstas Isto fez o conjunto alcançar os 694 metros de extensão que possui. O material era todo importado. As partes metálicas vieram da Bélgica. O cimento, em tambores, dos Estados Unidos. A construção agitou a cidade. Foi supervisionada pelo engenheiro Demóstenes Rockert, chefe da 10ª Residência da estrada de ferro. Foi um homem que conquistou grande prestígio na cidade. Veio a ser prefeito
de Montes Claros. Participaram também outros engenheiros, como Alvimar Resende e José Palleta de Cerqueira, além do técnico José Iglésias (pai do professor Francisco Iglesias) e do funcionário Henrique de Souza (pai de Betinho e Henfil). A montagem dos segmentos metálicos esteve a cargo da empresa Humberto Saboya & Cia., aqui representada pelo engenheiro Charles Pitet. A inauguração, com o nome de Marechal Hermes, se deu simbolicamente em 7 de outubro de 1922, com a presença do Presidente da República Epitácio Pessoa. A direção da Central do Brasil compareceu no dia 28 do mesmo mês para a inauguração “definitiva”, liberando-a para o tráfego.
O Grupo Escolar
Em 13 de fevereiro de 1921, instalou-se o Grupo Es-colar de Pirapora, hoje denominado Escola Estadual Fernão Dias. No capítulo 56 estão reunidos os registros
sobre o ensino na cidade.
A Navegação Mineira
Em 1925 começou a funcionar a Navegação Mineira do Rio São Francisco. No capítulo 54 estão registrados os principais fatos da navegação fluvial.
O Telégrafo
Também em 1925 começou a funcionar a agência lo-cal do telégrafo. A esse respeito, o primeiro registro é de 27 de novembro de 1911, data em que foi autorizado o prolongamento da rede telegráfica de Curvelo a Pirapora, por solicitação do deputado Sebastião Mascarenhas. Em 1931, o governo uniu o correio ao telégrafo, formando o Departamento de Correios e Telégrafos (DCT). A agência funcionava em um prédio da rua Antônio Nascimento, esquina com Theófilo Barbosa, que tinham antes os nomes de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. Seria onde vieram a se instalar a empresa Shaolin e a agência da CEMIG. Transferiu-se para o prédio que veio a ser ocupado pela loja Central dos Tecidos e, depois, pela San Rose Calçados, na rua Mato Grosso, esquina com a avenida hoje denominada Comandante Santiago Dantas (antes, avenida Amazonas). No início da década de 1950, passou a ocupar o prédio da praça Paulo de Frontin, hoje praça Tancredo Neves. O DCT foi transformado em 20 de março de 1969 na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
Outros Melhoramentos do Período Áureo
Ano a ano, novos serviços foram sendo entregues à população. Em 1909, foi inaugurado o Posto de Fiscalização do Estado, tendo Totila Frederico Unzer Filho como primeiro chefe. Em 1910, começou a funcionar a Escola de Aprendizes Marinheiros, sobre a qual há registros nos capítulos 53 e 56. Em 1911, no dia 18 de dezembro, foi instalado o Posto de Meteorologia do ministério da Agricultura, sendo Alfredo Lima seu primeiro encarregado. A primeira medição registrada acusou, no período medido, a tempera-tura máxima de 29ºC e mínima de 25ºC. O posto ficava localizado junto à Escola de Aprendizes Marinheiros, em São Francisco de Pirapora (Buritizeiro). Em 1916, foi transferido para Pirapora e instalado primeiramente na esquina da avenida Otávio Carneiro com a rua Piauí,
depois junto ao curral de ferro da Central do Brasil (próximo ao local onde hoje está estabelecido o Centro Espírita Senhora da Conceição-CESCON), a seguir no
bairro Santos Dumont, até ser desativado. Em 1912, foi inaugurada a Coletoria Estadual, sendo Cristóvão Faria o primeiro coletor, seguido de Augusto
Fernandes de Azevedo que, por sua vez, foi substituído em 1926 por Francisco Pereira Diniz. Em 1915, foi a vez de ser inaugurada a Coletoria Federal, sendo Raymundo Soares de Santana o primeiro coletor. Em 1917, foi criado o Tiro de Guerra nº 428. Posteriormente desativado, foi reinstalado na década de 1940
sob o nº 146. Funcionou até que os nossos jovens passaram a prestar serviço militar junto à Marinha. Em 1922, no dia 7 de outubro, foi inaugurado o hospital Carlos Chagas, no distrito de São Francisco de Pirapora (Buritizeiro). Em 1924, no dia 12 de abril, foi inaugurado o matadouro.