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UM POUCO DE LENDA, UM POUCO DE
HISTÓRIA

O Grande Sertão

Capitanias
Decorridas três décadas do descobrimento do Brasil, começaram os portugueses a demonstrar algum interesse pelo grande achado, quando Dom João III, rei de Portugal, criou as capitanias hereditárias, distribuindo-as a diversos donatários, a contar de 1534. A região hoje correspondente ao norte de Minas aí incluída a área do município de Pirapora - pertencia à jurisdição da capitania de Porto Seguro, doada ao capitão-mor Pero do Campo Tourinho, navegador e rico proprietário. Era a faixa de terras que começava, ao leste, na costa Atlântica, região que corresponde ao sul
da Bahia. Tinha no limite norte a linha imaginária que tocava o rio Santo Antônio (hoje, rio Pardo) e, no limite sul, a que tocava o rio Mucuri, havendo uma distância de cinquenta léguas entre uma e outra. Entre estas duas paralelas, a região se estendia ao oeste até a linha de Tordesilhas, que passava nas proximidades do local onde se encontra a cidade de Anápolis (Goiás). As capitanias hereditárias foram sendo aos poucos
reincorporadas à Coroa e não mais existiam a partir de 1759. Chegara a vez das capitanias gerais, com novos contornos. O Brasil, como um todo, apresentava um mapa bem diferente do que era antes e do que viria a ser depois. Por exemplo: a região Norte ainda não era nossa e a capitania de Pernambuco ocupava, no século XVIII, quase toda a margem esquerda do rio São Francisco, ul-trapassando, ao sul, a região do rio Paracatu.



Sesmarias

Detinha o donatário de uma capitania o direito de ceder a terceiros parte de sua propriedade. Eram as sesmarias, cujos sesmeiros possuíam, por sua vez, o direito de sublocar aos povoadores a exploração do solo, co-brando-lhes uma taxa de aforamento.

Em 1663, Dom João de Lancastre, governador geral do Brasil e também governador da capitania da Bahia, doou a Antônio Guedes de Brito uma sesmaria de cento e sessenta léguas, que se estendia do Morro do Chapéu (Bahia), pela margem direita do rio São Francisco, até as nascentes do rio das Velhas. Entretanto, o governo da nova capitania de São Paulo e Minas de Ouro, criada em 1709, considerava como sua toda a região mineira até a barra do rio das Velhas (Guaicuí). Houve um sério conflito de jurisdição, cujo final só se deu em 1720, com a criação da nova capitania de Minas Gerais, com direito sobre todo o norte de Minas, tendo como limites, ao norte, os rios Verde e Carinhanha.

Assim, a região onde hoje se situa Pirapora viu definido seu destino: faria parte de Minas Gerais. Ainda no século XVIII, o governo concedeu diversas
sesmarias na região: a José Seixas Borges (Curvelo), ao padre Felipe de La Contrie (Contria), ao coronel Mano-el de Almeida Coutinho (Fazenda Cotovelo, Lassance). A região da corredeira de Pirapora foi concedida ao sesmeiro Francisco Luiz de Carvalho.



Entradas e as Bandeiras

Foi durante o período colonial, nos séculos XVI, XVII e XVIII, que o Brasil mais expandiu suas fronteiras, graças às expedições colonizadoras denominadas entradas e bandeiras. Devido a uma série infindável de regras e exceções, não há como estabelecer exatamente o que eram as entradas e o que eram as bandeiras. Em ambas as classificações, há casos de expedições governamentais ou particulares, promovendo o povoamento, combatendo e aprisionando índios e negros, buscando minerais preciosos. Pelo norte de Minas, passaram expedições oriundas do litoral baiano, como a chefiada por Francisco Bruza Espinoza, que partiu de Porto Seguro em nossa direção, em 1554.

Houve bandeiras vindas da capitania de São Vicen-te (São Paulo), como a de Matias Cardoso de Almeida (1664), a de Lourenço Castanho Taques (1675) e a de Antônio Gonçalves Figueira (1694). A mais famosa, po-rém, foi a de Fernão Dias Pais (1674), quando o grande
sertanista se fez acompanhar por seus filhos Garcia Rodrigues Pais e José Pais, por seu genro Manoel de Borba Gato, além de Matias Cardoso de Almeida, Antônio Gonçalves Figueira e Francisco Pires Ribeiro. É contro-vertido o itinerário seguido por esta bandeira, acreditando-se não tenha Fernão Dias estado exatamente no local onde hoje se situa Pirapora, mas sim às margens do rio das Velhas, onde faleceu em 1681.
Nas fontes usuais de pesquisa, ainda não foram encontradas referências aos bandeirantes Salmeron e Rodrigo Soeiros. A trágica epopéia que teriam vivido junto à corredeira de Pirapora vem sendo transmitida por via oral



Os Caminhos

Os sertanistas percorriam todo o Brasil, de norte a sul e de leste a oeste, por meio de estradas ruins, de chão batido, muitas vezes tomadas pelo mato. Tais es-tradas eram, na verdade, trilhas, picadas, caminhos de no máximo quatro metros de largura. Alguns trechos mostravam-se impróprios até para animais de carga e é certo que ficavam intransitáveis em épocas de chuvas. A região da foz do rio das Velhas era beneficiada pelos caminhos que acompanhavam os rios São Francisco e das Velhas, bem como pelo que ligava o Tejuco (Diamantina) a Paracatu, rumo a Goiás.



Os Indígenas

Os primeiros habitantes do Brasil - não considera-da aqui a presença do homem na América em épocas imemoriais - viviam espalhados por todas as regiões, com maiores concentrações no litoral e nas proximidades dos rios. Conheciam o fogo, a agricultura, a pesca, a cerâmica e teciam fibras vegetais. Não havia uniformidade em suas línguas e costumes, que variavam de tribo para tribo. Há cálculos que oscilam entre um milhão e cinco
milhões sobre o número de indígenas que viviam no Brasil, quando as caravelas de Cabral aqui chegaram. Foram sendo dizimados em conflitos com brancos, em contatos com doenças de brancos e de negros, ou ainda absorvidos por estas duas raças. Hoje, restam cerca de oitocentos e noventa e sete mil, segundo dados do IBGE publicados em agosto de 2012. Já em 1554, o padre João de Aspilcueta Navarro constatava a existência de índios que se refugiaram no vale do São Francisco, afastando-se do litoral, para se livrarem da hostilidade dos brancos. 
Em “O Homem no Vale do São Francisco”, Donald Pierson registra, citando Capistrano de Abreu: “De 1587 a 1590, Cristóvão de Barros, cujo pai fora morto no lugar onde hoje é Sergipe, chefiou uma expedição contra eles (no caso, os Cariris) nessa área. Depois de matar ou capturar, refere-se, quase 6.000 indígenas, pôs em fuga os remanescentes através do São Francisco, para a Capitania de Pernambuco”. No norte de Minas, em pontos próximos ao São Francisco, existiram grupos dispersos de diversas tribos, ha-vendo registros da presença de índios Cariris, Tamoios, Shacriabas, Abatirás, Goianás, Caiapós e outros.



O Ciclo do Gado, o Ciclo do Ouro

Coube à criação de gado, atividade econômica fixa-dora de populações, promover o povoamento do nosso sertão. E terá acontecido justamente no norte de Minasa ligação geográfica dos movimentos de expansão parti-dos dos currais do Recôncavo (Bahia) e de São Vicente (São Paulo). O ciclo do gado se deu de meados do sécu-lo XVI ao final do século XVIII e ensejou o surgimento de muitas fazendas no interior.
Já o ciclo do ouro, teve início em 1693 com a descoberta do precioso metal, em grande quantidade e, às vezes, à flor da terra. Provocou as corridas às zonas de mineração (Vila Rica, Sabará, Mariana, em Minas Gerais e, depois, em Goiás e Mato Grosso), acarretando o despovoamento de regiões não essencialmente auríferas, como a do norte de Minas.



O Cenário

Em resumo, eram estes, nos primeiros séculos do descobrimento do Brasil, os principais componentes do nosso Grande Sertão: branco, negro, índio, terra, ouro e gado. E, abraçando a todos, o rio São Francisco. Impo-nente, o grande rio fazia rolar suas águas, ora cristalinas, ora turvas, às vezes serenas, às vezes intrépidas.
Então, tudo indica que, em um dado momento do século XVI, um grupo de indígenas se tenha deslocado do nordeste e, subindo o São Francisco, tenha chegado à corredeira de Pirapora e se apossado de um sítio, jun-to a ela existente, e o tomasse como seu. Um lugar mais sossegado, bem no interior, longe dos brancos, com caça abundante, à margem de um rio caudaloso, farto - uma dádiva da mãe natureza.
Porém, no século XVII, com os homens brancos desbravando todos os recantos desse mesmo sertão, era de se esperar que, um dia, alguns deles ousassem aproximar-se justamente daquele reduto escolhido e ocupado pelos indígenas.
Conflitos entre brancos e índios pipocavam em to-dos os quadrantes do Brasil e tudo contribuía para que
algo doloroso viesse então a acontecer também nas pro-ximidades da corredeira de Pirapora. Nossas barrancas,
praias, pedras, as águas do rio, nossa paisagem - tudo em 
volta passara a correr o risco de ver-se tingido pelo sangue do branco e pelo sangue do índio. Assim, junto à corredeira de Pirapora, o cenário estava armado. Os ingredientes, preparados, disponíveis. Mais que inevitável, a ocorrência de um conflito tornara-se iminente.

Copyright 2013 Pirapora in Cena. 

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