PIRAPORA IN CENA

FINAL DO SÉCULO XIX
Uma Paisagem Diferente
Quando a população se preparava para o apagar das luzes do século XIX, o panorama do arraial não era, obviamente, o de hoje. A entrada e a saída do lugarejo não se davam, como agora, pela avenida Pio XII, na direção do clube Piracam, mas pelo Barreiro, em direção à fazenda do Co-queiro, onde hoje se situa a rua Homero Nunes Macedo (bairro Sagrada Família). Era uma estradinha pela qual Pirapora se ligava ao mundo. Em época de grandes inundações, um braço do rio São Francisco ainda entrava pela fazenda Nova Estância. Passava pela região que hoje corresponde às ruas Presidente Kennedy e Natal e à praça Presidente Tancredo Neves, indo desaguar na lagoa, que se estendia até a área próxima ao local que seria depois ocupado pela residência de Arlindo Leite Ribeiro (Baianinho). Umbelina Diniz contava haver visto, quando criança, canoeiros passando com suas canoas por essa área. Mesmo em épocas mais recentes, foi possível a pequenos vapores, por ocasião das grandes inundações, entrarem na baixada hoje ocupada pelo mercado municipal. Afonso Diógenes afirmava ter tido, certa ocasião, quando adolescente, grande trabalho ao ajudar a pegar uma onça que se escondera num matagal existente no local onde hoje a avenida Comandante Santiago Dantas cruza com a rua Felipe Sampaio. O animal, certamente,
fora saciar sua sede na nascente d’água que havia na rua das Pedrinhas, atual rua Felipe Sampaio. Entre a beira do rio e a avenida Salmeron havia, paralelamente, outro lance de casinhas, formando uma outra rua no local onde foi implantada a orla fluvial. A Igrejinha, como já foi registrado, ficava na praça do Largo, posteriormente denominada Burlamaqui, Carirys, Melo Viana e novamente Cariris. Ocupava aquela área da feirinha, entre o coreto e a estátua do pescador. O rio São Francisco era muito mais piscoso. Não existiam as duas pontes nem o cais. Havia mais pedras em sua corredeira, impiedosamente retiradas nos anos 1940 para a construção do cais. E não faltava a serena pre-sença das aves, principalmente garças, que aqui viviam
a enfeitar a paisagem. Richard Francis Burton, que por aqui passara em meados do século XIX, afirmou nunca ter visto coisa igual ao São Francisco, desde a sua viagem ao Congo, na África, e que a corredeira de Pirapora era diferente de tudo o que vira antes. “Um artigo superior em qualidade e em quantidade”, afirmou o viajante. Ao lado dessa maravilhosa paisagem que a natureza oferecia, morava uma gente simples. Eram pessoas que desconheciam a poluição e muitas delas jamais viriam a conhecer um eletrodoméstico. Aos domingos, encontravam os amigos, experimentavam a caninha do com-padre, contavam “causos”. À tardinha, rezavam o ofício de Nossa Senhora. Chegada a noite, dançavam o lundu, à luz do lampião.
Onde entra a Família Mascarenhas
Romantismos à parte, é de se reconhecer que, mantido o nível de crescimento até então vivido, dificilmente a povoação conseguiria dar maiores passos rumo ao fu-turo. Realmente, o desenvolvimento da região só atingiria níveis desejáveis, se alguma pessoa ou grupo re-solvesse investir no lugar, de modo dinâmico, dando às atividades econômicas um sentido mais orgânico, mais empresarial. Carecia o novo distrito da presença de quem, além
de acreditar no futuro do lugar, se dispusesse a inaugurar novos e arrojados métodos de trabalho. Ao lado da grandeza de um ideal, fazia-se necessário o direciona-mento de recursos para a região, de modo a dar nova dimensão à vida econômica da comunidade nascente. Da forma como as coisas iam, era por demais acanha-do o horizonte dos que aqui labutavam. Havia mesmo o risco de se regredir, como já acontecera com outras comunidades da região. Foi então que, em 1894, a Companhia Cedro e Cachoeira, de Curvelo, por decisão de seus diretores Pacífico Gonçalves da Silva Mascarenhas, Aristides José Mascarenhas e Antônio Diniz Mascarenhas, resolve olhar para aquele distritozinho que mal engatinhava. E, com a visão própria dos que sabem abrir caminhos, começou por determinar a construção de um grande depósito para compra de algodão em rama e venda de tecidos. Para gerenciar o empreendimento, foi escolhido, ainda em 1894, o coronel Joaquim Lúcio Cardoso. Ia começar uma nova fase na vida do lugar. Pirapora
nunca mais voltaria a ser a mesma.